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Encantamento

Quimeras

Christian Schoel Christian Schoel

Encanta-me

devolve à minha alma

o brilho das marés

rasga os véus

de brumas matinais

que escurecem

meus olhos

quebra o lacre vermelho

que encarcera

meu coração.

Encanta-me

com sonhos

mentiras

lonjuras

desvios

mesmo que doa

Preciso voltar

a sonhar.

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Loucura

Kandinsky

Kandinsky

“Ela olhou-me no fundo dos olhos
lambeu minha alma
como os animais à cria
e me disse:
– se a vida se tornar
insuportável
eu te dou abrigo.”

Miriam Portela, minha mãe, minha poeta preferida.

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Deformidade de asas

bird2

Nasci com deformidade de asas

Curtas e desplumadas

Roubam-me o equilíbrio

Mas nunca desisti de voar.

 

A cada tombo reajo

A toda queda

Insisto

Sei que tudo é

Questão de exercício.

 

E se eu corresse, corresse

Corresse

Ainda alcançaria a infância perdida?

 

Miriam Portela, minha mãe, minha inspiração e minha musa literária, março de 2013.

 

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Goles lúcidos anunciando eternidades…

 
BEBO DA VIDA
GOLES
BASTA DE ALUCINAÇÕES
NÃO TENHO TEMPO
PARA EMBRIAGUEZ.
QUERO RESTAR
SÓBRIA
PARA NÃO OFENDER
OS INSTANTES.
OS ANOS PASSAM
PASSARAM
EU NÃO OS VI
OUTROS
GASTEI-OS
COM DORES FÚTEIS
ASSIM
ME VEJO
TRANSPORTANDO
IDADES
 QUE NÃO  VIVI.
DA VIDA
APENAS GOLES
LÚCIDOS
ANUNCIANDO
ETERNIDADES.
Miriam Portela

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A solidão poética

Miriam Portela 

NÃO DÓI NÃO

GRITA O POETA

OLHOS RASOS

VEIAS ABERTAS

FRUTO MADURO

A MATAR A FOME

DA VIDA.


NÃO DÓI NÃO

GEME O POETA

A LAMBER AS ÚLCERAS

COSTURANDO OS PULSOS

CORTADOS PELOS VENTOS

 

NÃO DÓI NÃO

MURMURA O POETA

OLHOS MÍOPES

A ACARICIAR AS RUGAS

DESENHADAS A CANIVETE.

 

DOEU, NÃO DÓI MAIS

ADMITE O POETA

O CORPO HIRTO

AS MÃOS INÚTEIS.

5/07/12

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Sincronicidade é maior do que destino…

 

Para Maria da Graça – Paulo Mendes Campos

Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.

Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.

Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca.

Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?

Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.

A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.

Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.

Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.

A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: “Oh, I beg your pardon” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: “Gostarias de gato se fosses eu?”

Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! mas quem ganhou?” É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.

Disse o ratinho: “A minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”. Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.

Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo” Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.

E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuido tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor. Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.

Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: “Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”.

Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

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De quem eu vim


Ladainha

Miriam Portela in “O Continente Possuído”

Senhor, tende piedade

dos que têm no lugar do coração

uma pedra branca e fria.

Tende piedade dos sós

dos cegos e apolíticos

porque não crêem.

Tende piedade dos responsáveis

porque dormem fartos e não percebem.

Tende piedade dos loucos lúcidos

que são enjaulados e dos apenas lúcidos

incapazes de medir a extensão

de suas loucuras.

Tende piedade

dos que sentem frio

e cortam a carne

e sentem medo:

eles estão desarmados.

Tende piedade dos fortes e poderosos

porque não sabem sentir

e se cansam logo.

Dos que pensam em voz alta

e provocam pânico

e são condenados a um silêncio

anormal.

Tende piedade, Senhor

dos que têm pressa –

a esperança para eles é fugaz.

Piedade para os que se sentam

e permanecem estáticos –

o seu caminho é mais longo

do que imaginam.

Tende piedade dos violentos

porque neles a fragilidade é maior

e essa é a sua vergonha.

Tende piedade dos que mentem

e acreditam que estejam realizando

construções na mentira cotidiana.

Tende piedade de todos nós

Senhor

porque não somos pródigos

e necessitamos da tua

misericórdia.

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Passeios

Vesti meus olhos de poeta e vi:
teu vulto esguio atravessando os espaços
tão breve!
Na ânsia de te deter
vesti apressada
minhas invisíveis luvas de poeta
e agarrei o gosto do pólen recém tirado
das flores
e senti o úmido das manhãs orvalhadas
esquecido nos ares.
Que fruto doce-azedo seria aquele
que me queimava a palma das mãos?
Seria feita da memória do cedro ou do carvalho
a sombra por mim adivinhada?
Com a inquietude que habita
minha alma de poeta
parti atrás do rastro dourado
deixado em teu passeio.
E vislumbrei lagos, onde mergulhei.
E desenhei aldeias e vilas que percorri
em busca da tua alma terna e luminosa.
Havia uma promessa de amanhã
no mundo tocado por teu brilho.
Alguma coisa em ti
refletia
reluzia
iluminava.
Com a delicadeza que molda meus dedos de poeta
despi-me da poesia
e ainda pude ver:
Teu vulto esguio
cruzando os espaços
tão leve!

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Por que há poesia em mim…

Notícias da Ilha

Findo o espanto
Passado o entorpecimento
Trazido pelos calmantes
Doces analgésicos da alma
Resta-me a perplexidade.

Quando deixarei de me surpreender
Com as lutas travadas
Entre a vida e a morte?
Mas a vida, meu irmão,
Vence sempre
Mesmo quando a morte
Rouba-nos o corpo.

Descansa
Ainda é cedo para despertar.
Enquanto dormes
Teu sono invadido pela eternidade
Eu te velo
Como velei nosso pai.
Entoarei cantigas de ninar
Para afugentar os pesadelos e as sombras.

Tua presença ainda está dispersa pela ilha.
Solta pelas esquinas, ruas, bares.
Vejo-te, às vezes,
Acompanhando teu cachorro
nos passeios de fim de tarde.
Ouvi tua voz rouca
No vento sul impiedoso
Que varreu a cidade
No dia da tua morte
E te reconheço nas bandeiras rubro negras
Que vestiram o Maracanã
Após o teu enterro.

Sei que estás presente
Em tudo
O que chamamos vida.
Nas tuas netas que nascerão
Nas histórias que contam a teu respeito
E nos segredos que guardamos.
A vida não se gasta, meu querido irmão.
O que se perdem são as ilusões, os apegos
Para podermos partir mais leves.

Ah, quando seremos educados pra viver
Em vez de perdermos tanto tempo
Com conhecimentos inúteis.
Faço de conta que estamos viajando
Por países diversos e que, em breve,
Trocaremos cartões postais.

Quando despertares, não te assustes
A vida continua sempre.
Se sentires medo, reza
Como aprendeste a fazer
Nos últimos tempos
E verás que luzes coloridas romperão
Os espaços a te abraçar.
Se te sentires só, visita-me
Nunca temi os espíritos,
E serás sempre bem vindo.

Miriam Portela

 

Vivi séculos de fome e cilícios

 

Vivi séculos de fome e cilícios.

Vivi vidas de fausto e opulência.

Vivi a fartura, o êxtase, o sagrado.

Através de ti, todas as primaveras se

anteciparam, todas as colheitas,

os frutos acres e maduros; as neblinas,

os serenos, as madrugadas se ofertaram.

Em ti, vivi o momento cósmico da expansão

dos corpos sólidos.

Ensinaste-me o fogo e ele me consumiu…

Ensinaste-me a saliva e ela me saciou…

Ensinaste-me os suores e eles invadiram os

poros de prazer.

Tu me mostraste

como se mata a sede na concha das mãos e

teceste em minha pele, desvios de rotas.

Tu arrancaste de meu rosto as máscaras

ardidas de dor e me devolveste um rosto sem

rictus.

Tu me revelaste a simplicidade das formas e eu

redescobri a inutilidade de todos os meus

adereços.

Miriam Portela – Nos Mares de Vênus

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STRIP TEASE

A primavera se insinua

estende seus braços

longos e coloridos

despe-se nos faróis

marginais, avenidas

seduz os incautos

como eu

oferece seu corpo

aos ventos

passageiros

forasteiros.

A primavera se dá

inteira

à cidade.

Miriam Portela

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Juramento

Miriam Portela

Juro nunca mais

Resistir à poesia

Mesmo que ela

Crave suas unhas

Em minha pele branca

E me abandone

Em noite alta

Insana e nua.

Juro nunca mais

Desistir da poesia

Mesmo que ela

Cubra meu colo

De palavras

E me obrigue

A bordar com elas:

Anêmonas

Plânctons

Cósmicas

Redondilhas.

Juro nunca mais

Me negar à poesia

Mesmo que ela

dispa da minha alma

a lucidez

e me deixe infante e tola

a rodar. a rodar, a rodar

alegremente.

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Dá-me o meu sonho, mãe

(Minha) Mãe, dá-me outra vez
O meu sonho,
Ele era tão belo, mãe,
Que choro porque o tive…

Não era de gente,
Não era de casa,
Não era de andar num lugar,
Não sei de que era ou como era
Mas era tão belo como se eu soubesse agora isso tudo.

Não está à tua direita,
Não está à tua esquerda
E não está no teu colo,
Mas

Era uma coisa brilhante
Mas não tinha brilho…
Era uma coisa para criança,
Mas era verdade,
Era um brinquedo
E não acabava,
Era um lugar para ir
Mas a gente não voltava à noite…
Dá-me o meu sonho, mãe,
Assim mesmo como eu não sei o que ele é.

Quero voltar para trás, mãe,
E ir buscá-lo ao meio do caminho.
Não sei onde ele está
Mas é ali que está
E brilha onde eu o não vejo…
O meu sonho, mãe,
É o meu irmão mais novo.

Eu ando triste, mãe…
Triste como uma ave na gaiola,
Na gaiola desde inocente…
Dá-me o meu sonho, mãe,
E deixa-me só sonhar…

Não são todos os teus beijos,
Nem todos os teus brinquedos,
Nem o teu colo onde durmo,
Que se parecem com ele
Quando o tenho, tenho-te a ti,
Ainda que lá não estejas, não me faltas lá,
Quando o tenho.

Fernando Pessoa, 1916

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Minha verdadeira musa

Já confessei, outrora, que a minha paixão pelas poesias começou com os velhos cadernos encapados de minha mãe. Quantos poemas eu não roubei daquelas páginas! E hoje ainda sonho em ter um milésimo dessa intimidade. De presenciar ao menos um encontro, como os dela com as palavras…

O Hóspede – Miriam Portela

Mora em minha casa

um poeta louco

cansado de seus excessos.

Nos seus desvarios

ele me fala de aventuras e de sonhos.

Nos momentos de lucidez

descreve territórios e pátrias

em que já viveu.

Mora em minha casa

um poeta velho

exausto de eternidade.

Na sua loucura mansa

cultiva canteiros

de girassóis e miosótis

que esmaga com fúria nos momentos de dor.

e toda luz o cega

fazendo-o chorar lágrimas excessivamente salgadas. 

De vez em quando

ele me toma nos braços

e dançamos noites seguidas:

ele embriagado pelos escuros

e eu fascinada por sua embriaguez.

Mora em minha casa

um poeta rude

que grita impropérios e

rasga com suas unhas sujas de terra

os versos recém nascidos.

 

De vez em quando

em suas mãos crestadas pelo sol

ele me oferta o gosto do sal

trazido do mar do norte

e em sua pele áspera

cortada pelos ventos gélidos do ártico

desenha rios e fiordes.

mora em minha casa

um poeta triste

como um menino órfão

a exigir carícias

a cobrar afetos

tantos

Vive em mim

um poeta

e eu o protejo.

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Míope é a vida!

Um lindo poema da Adélia Prado, interpretado pelo Mané do Café. E, incidental ou não, uma homenagem à minha mãe!

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