Arquivo do mês: julho 2023

Fado

Hoje faz cinco anos

que regressei

a Portugal,

depois de três longos meses

em uma Babilónia

 destruída

pelos zigotos do nazismo.

Seis de Junho será,

para sempre,

 um portal inigualável

de sublimar as dualidades.

Entanto,

é preciso que o viajante de quimeras

saiba em qual eixo

da espiral serpentina

ele se encontra.

Se estiver na parte inferior da espiral,

o navegante é convidado

a conhecer suas profundezas,

confundir sua casca egóica;

 estilhaçar-se em epifanias.

As vivências da sombra,

infelizmente,

traduzem melhor

o sentido da jornada.

Ser alegre também dói,

Mas dói

como o corte de uma folha de papel,

no dedo indicador,

distraído.

A dor universal

pode ser iniciada

em um concerto do Chico Buarque,

naquele panetone

Palácio de Cristal,

no Porto.

A dor indizimal

acontece quando os sangues evaporam

 as crianças almejadas.

Os troféus de matemática.

A primeira dança

entre os pés do bebé.

Somos muitos, fomos escritos.

Aconteceu, Humanidade, entre nós:

uma tragédia!

Conheço muitos sonhos,

travestidos em cianureto.

Invejei, por vezes,

Sonhos

Desprovidos de intelecto.

Jamais,

Ora eu?

Jamais vislumbrei

Destino analfabeto!

Destino.

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Arquivado em Poesia, Textos meus

Amizades revolucionárias, fábricas de utopias

Li, noutro dia, um texto genérico, com gosto de autoajuda, sobre as três formas de amizade descritas por Aristóteles. Segundo o artigo, com a audácia de simplificar um pensador dessa magnitude, é possível separar a amizade em três níveis: utilidade, prazer ou caráter.

Tenho certa dificuldade com listas e suas funções. Embarquei, todavia, nos reinos da aletheia, para buscar quais amizades me rodeavam, hoje. E não consigo distinguir o que me é prazer ou o que me é caráter.

A utilidade sempre foi uma inimiga mortal.

Embasbacada pelas reduções, pedi ajuda àquele que considero um dos maiores filósofos da minha vida. Seria uma amizade de caráter? O prazer não está, também, cravado na elevação da alma?

Fábio prontamente me respondeu, em um áudio que ultrapassa quaisquer aulas de Filosofia. Ele começa rindo, declarando seu amor à nossa amizade. Depois – ele que é dono da elegância mais humilde da qual fui testemunha – inicia os ensinamentos.

De acordo com o Fá, o grande problema da autora autoajuda é esquecer um conceito inexorável da ética aristotélica: o modo como nos relacionamos com os outros, com nós mesmos e com o mundo deve, indubitavelmente, buscar a melhoria de caráter. É, por esse viés da existência, que a nossa estadia no planeta deve se pautar.

A melhoria de caráter, segundo ele, está intimamente atrelada à capacidade de nos autogovernarmos, tendo a excelência como utopia. Fábio e Aristóteles quebram, nesses pequenos segundos de áudio, todas as esperas pelas novidades.

Nada precisa ser inaugurado!

A romântica ideia de criação se desfaz, no sotaque insólito do meu filósofo preferido, que oiço pelo whatsapp. Jung vem assobiar no meu ouvido: é óbvio que nada há de novo. E existe, órfãos que somos, a jornada pela excelência.

Quando acabei de o ouvir, veio o suspiro. Eu, feita de bibliotecas e mata atlântica, cachorros e mar, vitrolas e saraus. Quantas vezes, ó Deuses, quantas vezes minhas inquirições foram ditadas por egos inéditos?

Ah, outra poesia me habitaria, ao saber da excelência de Aristóteles!

Nos últimos meses fui capaz de encontrar almas irmãs, palácios de banda desenhada, parceiros improváveis. A meditação comum é perceber: o que de meu tem nessa sala, o quanto aprenderei, nas curvas desse castelo? As pessoas e os lugares me ressoam, como antiquarias de consciência. E, em suas mesquinhezes ou abundâncias, os ensinamentos são sempre óbvios.

Ontem, estive com uma das mulheres que mais admiro no mundo. A gente consegue rir da aristocracia portuguesa, decadente, cafona. Suas calças pula-brejo, os namoros de conveniência e espumantes com morango.

E é bom não nos sentirmos espiritualmente superiores.

Depois dos bullyings telepáticos, abrimos os livros e os cardápios que viram sonhos. Escrevemos como será o futuro para a humanidade. Inebriadas do teatro que ainda não existe. Ao pé do cachorro emprestado. Entre a bruma e a vela. Segundas-feiras assintomáticas. Homens brilhantes sem nenhuma redenção.

A vida, finalmente,

inventada.

Antes de me ir embora de sua casa, aceito o conselho ancestral, do avô da minha amiga. Amiga-prazer. Amada-caráter:

“Faz da tua vida

O sonho.

Do teu sonho

A realidade.”

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