Arquivo do mês: abril 2017

Quimeras de farol

“A minha solidão é maior que teu silêncio”, disseste-me, há pouco, com os olhos em dilúvio. Ah, Pedro, se tu soubesses como eu sei! A tua solidão nasceu do meu vazio, amor.

A tua avó sempre me disse que o mar me habitava, dentro da barriga dela. Eu, na felicidade estúpida, infante, nunca vislumbrei o óbvio: o mar é a nossa primeira morada, sempre. Não há humanidade sem o líquido ancestral, pois.

Embora eu já tenha te contado tantas referências sensíveis, tantas dores que me trouxeram à condição de poesia, talvez o mar as inaugure todas. Não há mundo antes das águas, Pedro. Todo silêncio prepara o estouro das ondas.

O mar mora dentro de mim, Pedro. Primeiro, nas minhas lágrimas de sal e comiseração. Em sonhos aquáticos, em dúvidas postiças, em serenatas de ressaca. Mora, filho, o júbilo pelos azuis, a estranheza frágil que me suporta, frente às mares.

Mas tu precisas saber que a mudez é o despertar da imaginação. Não existiriam tantas galáxias, dentro de ti, se não houvesse este surdo chamado para os teus próprios oceanos.

A Mamã também soube brincar de enclausurar a voz. Este exercício de contar as histórias para a alma. O abandono dos alardes é o berço dos mergulhos, meu querido. Tu, que querias ter nascido água para ressuscitar os meus naufrágios! Por que te pensas merecedor de cais, Pedro?

Pula com força nestes teus silêncios. Acolhe a efemeridade das tuas marés. Abandona esta súbita vontade de dizer, antes de tudo. A palavra, quando calada, reverbera nas vísceras. Não há poesia tagarela.

Dilacera-me te mostrar a solidão. Grandes são os desertos e tudo é deserto, diria Pessoa.  Mas são maiores os nossos sonhos, quando inauditos. Quando despertares para a grandeza das estrelas, tua dor se unirá ao Universo. Poderás, enfim, cantar quimeras de farol.

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