“Estou lendo um romance de Louise Erdrich. A certa altura, um bisavô encontra seu bisneto. O bisavô está completamente lelé (seus pensamentos têm a cor de água) e sorri com o mesmo beatifico sorriso de seu bisneto recém nascido. O bisavô é feliz porque perdeu a memória que tinha. O bisneto é feliz porque não tem, ainda, nenhuma memória. Eis aqui, penso, a felicidade perfeita. Não a quero.”
– Eduardo Galeano em O livro dos abraços.
Uma caixinha de música, às vezes, dá corda a mim.
A poesia gorda me envaidece com seus versos, perfeitos.
Eles vêm, sonhos oraculares,
em cores de Van Gogh e voz do Salvador.
É difícil dar-lhes nomes,
ou decidir o primogênito.
Gostava de morar na beleza primeira que tem as letras,
antes da oração.
Uma boneca antiga visita-me a infância.
Faz do passado uma colheita de outono.
Uma caixinha de música,
às vezes,
dá cordas em mim.
Manipula meus títeres anteriores.
E vai-se embora como a nuvem derradeira
que insiste em acariciar o Tejo.
Uma caixinha
de música,
às vezes,
desperta o pierrot aprisionado no brinquedo.
Dilacera as dores cicatrizadas.
Dá risada dos projetos juvenis.
No dia em que a caixinha de música for abreviada pela obviedade,
talvez seja feliz.
A memória,
Poética,
é sempre lapso
dos possíveis futuros.