Amar a solidão

“Mas tudo isso, que talvez um dia seja possível a muitos, o solitário pode prepará-lo desde já e construí-lo com suas mãos, que erram menos. Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e a carregue com queixas harmoniosas a dor que ela causa. Diz que os que sente próximos estão longe. Isso mostra que começa a fazer-se espaço ao redor de si. Se o próximo lhe parece longe, os seus longes alcançam as estrelas, são imensos. Alegre-se com esta imensidade, para a qual não pode carregar ninguém consigo. Seja bom para com os que ficarem atrás, mostre-se-lhes calmo e sereno sem os atormentar com suas dúvidas, nem os assustar com uma confiança ou uma alegria que eles não poderão compreender. Procure realizar com eles uma comunhão qualquer, fiel e simples, que não se deverá necessariamente transformar à medida de que o senhor mesmo se transforme. Ame neles a vida sob uma forma estrangeira e tenha indulgência com os homens que, envelhecidos, temem a solidão a que o senhor se confia. Evite dar alimento ao drama sempre pendente entre pais e filhos o qual gasta muita força destes e consome amor daqueles; amor que, embora incompreensivo, age e aquece. Não lhes peça conselho e não conte com a sua compreensão, mas acredite num amor que lhe é conservado como uma herança e fique certo de que há nesse amor uma força e uma bênção a que não se arrancará mesmo se for para muito longe.

É bom o senhor abraçar antes de tudo uma profissão, que o tornará independente e entregará exclusivamente a si, em todos os sentidos. Aguarde com paciência, a ver se a sua vida íntima se sente limitada pela forma dessa profissão considero-a muito difícil e cheia de exigências , carregada de convenções e quase sem margem para uma interpretação pessoal de seus deveres. Mas a sua solidão há de dar-lhe, mesmo entre condições muito hostis, amparo e lar, e partindo dela encontrará todos os cominhos. Todos os seu desejos estão prontos a acompanhá-lo e minha confiança está consigo.”

Seu
Rainer Maria Rilke

5 Comentários

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5 Respostas para “Amar a solidão

  1. Olá, Mariana . Eu sou um dos seus “seguidores” de blog . rs
    Nossa, Mariana ! O pensamento e o sentimento do Rilke são demais sem serem excessivos no sentido do que por ser assaz não se autodegrada nem degrada algo ou algo de alguém ao redor, né ou não né ?
    Não tenho muito bom acesso às obras dele, mas do acesso que tive, fiquei extasiado e descobri que o fôlego intenso que ele tem, causa daquela falta de ar ao redor do leitor cujo ar passa a não ser necessário pra se viver ou sobreviver perfeitamente bem enquanto ouvindo ou lendo-o . Metaforicamente (ou não) a respiração cessa porque o trânsito de “ar” passa ser direto entre a atmosfera que ele cria e a alma de quem o lê .
    É um transe, a temporária suspensão dos sentidos. Não é Demais ? Eu acho isso respeitavelmente demais ! Outro dia, há bastante tempo, assisti a leitura dramática entre um diretor de teatro e um ator aqui da cidade em que vivo: Paulo Campagnolo, Joaquim dos Santos em Maringá, no Estado Paraná. Na ocasião, leram Na Solidão Dos Campos De Algodão, do Bernard Marie-Koltès – foram horas e horas – que tem a mesma temperatura, a aparentemente mesma superfície que o Cartas A Um Jovem Poeta nesse trecho que li através desse seu blog. Blog muito convidativo, bem cuidado e agradável por sinal. Pergunto: o Cartas é um capítulo de uma obra do Rilke ou é o título de uma obra dele ? Esse e um tema – a solidão – dos que analiso e investigo porque. paradoxalmente, ele sempre é pai de afetos ou tem consigo acompanhantes afetivos …

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    • Olá! Adorei seu comentário e o aprofundamento que você propôs à obra desse mestre. Cartas a um jovem poeta é comercializado como um livro de Rilke. Contudo, trata-se da correspondência do poeta com um aprendiz das letras, no início do século XX. Ao todo são dez cartas escritas por ele. Você consegue em qualquer livraria e é uma leitura rápida e fundamental para os estudiosos da solidão. Obrigada pelas suas palavras. Um grande abraço! Mariana

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  2. “Ai de mim ! Um gemido grego”, Mariana, de vergonha! Que vergonha a minha!
    A vergonha que sinto nesse recomeço de aprendizagem blog-internética é o que me levaria ao sui caedere virtual.
    (Momento melodramático da costa da mão na testa, revirar de olhos olhando aterrados para o céu: Oh, terribilidade da existência pós-moderna!! rs)
    As coisas mudaram-se por aqui no wordpress . Dantes em muito, lembro-me bem, receberia um sinalzinho colorido, destacado de tudo na tela do meu blog informando resposta sua ao comentário que fiz brindando à saúde de sua postagem .
    Não o recebi . Não o recebo . Não o receberei . Desolo-me … Desolo-me.
    Perdão se a fiz sperar demais naquele sentido que degradasse a sua paciência tão bem educadamente formada .
    Já passava da imaginação e entrava na esfera da suposição que você não tivesse-o visto, portanto, justificaria nisso o ainda não respondido, a não sinalização. Sinto-me envergonhado perante você devido alguma ignorância e descivilização minhas indócilmente instituídas por esta empresa sem “wordpressionário” (dicionário interno), “manual de instrução” claros. rs
    Você respondeu há 4 dias em relação ao horário dessa minha réplica, e descobri quase por acidente .
    “Pró pudor !” rs
    Tenta me desculpar, sim ?
    Afora o atraso trágico como assunto, muita gratidão e contento são o que sinto pela sua resposta atenciosa e dedicada, efetivamente esclarecedora. Já na primeira manhã de hoje, procurarei pelo Cartas para tê-lo. Antevejo-me demorando dias para chegar ao momento de terminar sua última linha, e, percebo agora que talvez “dia de leitura” seja o intervalo de tempo porque o leitor passa enquanto abre e inicia a obra e termina-a e encosta a contracapa no miolo sem mais no que daquele ter o que ler. O que você pensa sobre isso, alem de que seja um devaneio, Mariana? Trezentas e sessenta e cinco obras lidas constituiriam um ano, um ano cujo nome deixo para que você o batize como presente de pedido de desculpa pela minha desatenção tão comodamente ignorante .
    Oh, céus! Bom abraço e bom dia pelas duas manhãs inteiras !

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  3. gustavo braun

    ai ai, mari………. eu e o espaço ao meu redor. os próximos de mim que eu considero a quilometros de distancia porque meus espaços eu meço em estrelas… eu e minha solidao que ocupa tudo.
    que texto!
    ai ai……..

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  4. Wanny Oliveira

    Amém

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